Pressionados
pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - que ameaça derrubar todos os incentivos
fiscais concedidos sem prévia aprovação do Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz), por meio de uma súmula vinculante - os secretários
estaduais de Fazenda estão discutindo uma saída para o problema. A proposta que
está na mesa de negociação poderá, se aprovada, resultar na reforma do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que o governo federal e o
Congresso Nacional vem tentando realizar desde 1995.
A
proposta envolve a adoção de quatro passos, segundo informou o secretário de
Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi. Em primeiro lugar, haveria o cancelamento
de todos os convênios que concederam incentivos fiscais, considerados
inconstitucionais pelo STF. O passo seguinte seria aprovar um convênio de
remissão de todas as dívidas tributárias relativas aos contratos de incentivos
fiscais ilegais. A remissão é a palavra técnica para o cancelamento.
Isto é
necessário porque, com a decisão do Supremo Tribunal de considerar
inconstitucionais os benefícios fiscais concedidos pelos Estados, todo o ICMS
devido no passado e que não foi cobrado, torna-se devido. Há, portanto, um
enorme débito de ICMS do passado com a decisão do STF, que certamente será
objeto de ações na Justiça de ressarcimento movidas pelo Ministério Público. O
Confaz tem o poder, no entanto, de fazer a remissão desses débitos. ``Há
convergência entre todos os secretários de que tem que fazer o cancelamento
desses débitos``, informou Calabi.
Conselho
discute proposta que prevê quatro passos
O
terceiro passo seria a aprovação de novos convênios de incentivos fiscais,
iguais aos convênios cancelados, com prazos a serem combinados no âmbito do
Confaz. O quarto e último passo seria definir uma trajetória de redução das
alíquotas interestaduais do ICMS, com o objetivo de que a apropriação desse
tributo seja feita, majoritariamente, no destino das mercadorias.
Ao mesmo
tempo, a União criaria dois fundos: um para ressarcimento das perdas que os
Estados teriam com a transição do ICMS para o destino e outro para assegurar
recursos para uma política de desenvolvimento regional. A criação desses dois
fundos já foi assegurada, durante reunião do Confaz, pelo secretário-executivo
do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa.
Calabi
admitiu que ainda não foi encontrado um consenso sobre vários aspectos da proposta.
Os secretários, principalmente do Norte, Nordeste e Centro-Oeste querem
suspender as dívidas do passado, mas manter para o futuro os contratos feitos.
Ou seja, esses Estados querem convalidar todos os incentivos concedidos até
agora e mantê-los inalterados para o futuro. Essa convalidação implicaria em
prejuízo para São Paulo em torno de R$ 25 bilhões, segundo estimativa feita por
Calabi. Isto porque as empresas apresentaram créditos relativos ao ICMS no
valor de R$ 16 bilhões contra o governo paulista. Desse total, R$ 9,6 bilhões
foram glosados. Se houvesse uma convalidação ampla, geral e irrestrita, São
Paulo deixaria de obter os R$ 9,6 bilhões glosados e ainda teria que arcar com
os créditos de R$ 16 bilhões apresentados pelas empresas.
Por isso,
São Paulo e outros Estados querem que os contratos de incentivos fiscais para o
futuro passem por uma negociação dentro do Confaz. Há uma grande convergência
em fazer o cancelamento de dívidas para casos de incentivos industriais,
agropecuários e agroindustriais que criaram valor regional. Mas uma menor
disposição de convalidar créditos derivados de diferenciais de alíquotas de
centros de distribuição.
Para que
se chegue a um entendimento, Calabi acha que é necessário ter disposição de
negociar. Segundo ele, o governo paulista está aberto à negociação e tem grande
disposição de abrir mão de posições em benefício de incentivos de outros
Estados. “O governador Geraldo Alckmin considera que o crescimento estável de
São Paulo depende de uma redução dos desequilíbrios de renda entre os Estados”,
afirmou.
Há
divergências ainda sobre as alíquotas interestaduais que ficarão e o prazo para
essa transição. Atualmente, há duas alíquotas: uma de 7%, quando as mercadorias
saem de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e dos Estados do Sul para o
restante do país; e outra, geral, de 12%. Os Estados do Sul e do Sudeste
defendem que, no prazo de quatro anos, exista apenas uma alíquota interestadual
de 4%.
Os
secretários de Fazenda dos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste defendem a
manutenção de duas alíquotas interestaduais de ICMS, que seriam reduzidas para
7% e 2%. Esta última seria aplicada às mercadorias que tivessem origem na
região Sul, em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Eles querem também que
o prazo de transição para a nova situação seja de sete anos.
Essa
proposta mostra que os governadores dessas regiões ainda querem manter a
possibilidade de concessão de incentivos fiscais com base no ICMS, em parte
porque acreditam que essa é a única forma de atrair empresas para os seus
Estados. Parecem também desconfiar que a promessa do governo de criar uma
política de desenvolvimento regional não apresente resultados práticos.
O STF
decidiu várias vezes que os benefícios fiscais concedidos pelos Estados sem
prévia aprovação do Confaz são inconstitucionais. Mesmo assim, eles continuaram
sendo concedidos. Para evitar que isso continue se repetindo, os ministros do
STF decidiram aprovar uma súmula vinculante, com base na qual qualquer ação
contra esses incentivos possa ser julgada monocraticamente por um único
ministro do STF. Assim, os incentivos ilegais poderão ser derrubados
imediatamente.
Para
contornar essa situação, alguns senadores tentam aprovar um projeto de lei
complementar acabando com a exigência de unanimidade nas decisões do Confaz
sobre a concessão de incentivos fiscais. Esse movimento, no entanto, perdeu
força na semana passada quando o governo manifestou-se contrário à iniciativa,
considerando-a perigosa. O receio é que o fim da unanimidade no Confaz legalize
a guerra fiscal e ameace a própria federação.
Os
governadores têm, portanto, o desafio de resolver o problema, no âmbito do
Confaz, sob pena dessa atribuição ser transferida ao STF, cuja súmula
vinculante deverá ser editada até o fim deste ano.
Fonte:
Valor Econômico
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